Pesquisadores no Rio de Janeiro descobriram que a vacina que
usamos há décadas contra a febre amarela pode proteger contra a zika.
“Nossa pesquisa mostra que uma vacina eficiente e certificada,
disponível para uso há diversas décadas, efetivamente protege camundongos
contra infecção do vírus Zika”, diz o estudo, publicado online que ainda
precisa passar pelo processo de revisão por pares, exigido por periódicos
científicos, que têm um trâmite demorado.
O médico Jerson Lima Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – um dos coordenadores de
estudo divulgado nesta segunda-feira, 25 – disse à Época: “Talvez a solução
estivesse na nossa frente o tempo todo”.
Conduzida por dezesseis pesquisadores da UFRJ e da Fundação Oswaldo
Cruz, a pesquisa concluiu que a vacina da febre amarela protegeu camundongos da
infecção do vírus em laboratório e reduziu a carga do vírus no cérebro,
prevenindo deficiências neurológicas.
“Apareceu como um ovo de Colombo”, disse Jerson Lima Silva, referindo-se
à expressão que descreve uma solução complexa que, depois de demonstrada,
parece óbvia.
Esse sistema de publicação é adotado para disponibilizar rapidamente
resultados iniciais de pesquisas à comunidade científica internacional.
Vírus semelhantes
Tanto a zika e quanto a febre amarela são transmitidos por vírus da
família dos Flavivírus.
A estruturas biológicas dos vírus são semelhantes, o que inspirou a
equipe no Rio a testar os efeitos da vacina de febre amarela sobre o vírus Zika.
Além disso, diz o médico Jerson Lima Silva, a região que teve maior
incidência de zika, o Nordeste do país, é também a que tinha a menor cobertura
vacinal para febre amarela.
“Então resolvemos testar essa hipótese”, afirma o professor da UFRJ.
O estudo foi coordenado por Silva, Andrea Cheble Oliveira e Andre Gomes,
do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem, e pelo professor Herbert Guedes,
do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.
Os testes
A equipe realizou testes com dois grupos de camundongos, um composto por
indivíduos saudáveis e outro por indivíduos com sistema imune comprometido,
mais suscetíveis à propagação do vírus.
Nos dois grupos, parte dos animais foi imunizada com a vacina de febre
amarela e outra recebeu apenas uma solução salina, sem nenhum efeito
imunológico. Depois, todos receberam injeções intracerebrais do vírus da zika,
de modo a simular infecções com alto índice de letalidade.
“Sem a vacina, os mais suscetíveis morreram e os normais desenvolveram
sintomas da doença. Já entre os vacinados, os suscetíveis não morreram e todos
apresentaram carga viral extremamente reduzida no cérebro”, explica Silva. O
vírus Zika consegue furar a proteção da placenta durante a gestação, e se
alastra pelo cérebro do bebê, impedindo que se forme corretamente.
Próximos passos
A pesquisa foi conduzida ao longo de dois anos. O grupo trabalha agora
para entender os mecanismos de proteção contra o vírus desenvolvidos a partir
da vacina da febre amarela. O médico diz que o próximo passo é realizar testes
em primatas.
“Os resultados foram muito evidentes. A gente acredita que há uma grande
chance de (a vacina da febre amarela) proteger humanos (contra a zika), já que
os testes com animais demonstraram uma proteção tão forte”, considera Silva.
Ele espera que os próximos passos para determinar se a vacina pode ser
recomendada à sociedade como uma proteção eficiente contra a zika não tardem.
Por enquanto, entretanto, é preciso cautela. “Como todo estudo científico, este
precisa ser reproduzido e confirmado”, diz.
Se o efeito for comprovado para humanos, ressalta o pesquisador da UFRJ,
haveria uma grande vantagem em poder contar com uma vacina licenciada, usada há
décadas e disponível no mercado – e que poderia ser distribuída e aplicada
prontamente no caso de um novo surto de infecções.
Desenvolver uma nova vacina envolve passar por muitos testes, acertos e
erros e etapas de segurança.
O estudo teve financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Saúde, da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
A doença
A corrida por uma vacina contra a zika começou em 2016, quando se
comprovou a suspeita de que a doença recém-chegada ao Brasil – até então
considerada inofensiva – era a causa do surto de bebês que nasciam com
microcefalia e malformações neurológicas – conjunto de sintomas hoje designado
como síndrome da zika congênita.
O surto levou o governo brasileiro e a Organização Mundial da Saúde a
decretarem situações de emergência, posteriormente suspensas.
Além dos graves defeitos que pode causar nos bebês durante a gestação, a
zika é associada ao surgimento da síndrome de Guillain-Barré em adultos.
Com informações da Época
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